Refletida em música e letra, maturidade do 5 a seco surge em ‘Sentido’, primeiro álbum do quinteto após hiato de 5 anos

Novo trabalho, que chega às plataformas de música em 28 de novembro e ganha edição em vinil em 2025, traz 15 canções autorais e tem participação especial de Chico Buarque

“O novo é o velho e o velho é o novo.” Quinto álbum na discografia do 5 a seco, Sentido encontra o quinteto paulistano em um diálogo com o tempo – ou, tantas vezes, com O Tempo, aquele ser maiúsculo que descongela tudo. Ele é o elemento constante nas 15 faixas, implícito ou nomeado, “mordendo o próprio rabo”. Vem vestido de “os anos”, “o futuro e o passado”, “o antes”, “o hoje e o ontem”, “os momentos”. E em “ponteiros”, “agoras”, “lembranças desbotadas na memória”. Após hiato de 5 anos, o grupo anunciou o retorno às atividades em setembro passado, durante histórica apresentação no festival Coala. São 15 anos do grupo desde a estreia. E o amadurecimento – musical e poético – é flagrante nesse novo trabalho de estúdio. Com participação especial de Chico Buarque, o álbum foi produzido por Tó Brandileone e gravado entre fevereiro e julho deste ano. Chega às plataformas de música em 28 de novembro e ganha edição física, em vinil, no ano que vem.

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Sentido traz o conjunto de canções mais plural da história do 5 a seco. Esse repertório inclui desde temas compostos para peças de teatro até baladas de amor. De canções existenciais complexas a delicadezas autobiográficas, como uma canção escrita para esperar a chegada de um bebê. O amadurecimento individual e o adensamento das vidas pessoais dos cinco integrantes estão à frente de tudo. E a volta do grupo só foi possível porque a pausa foi feita no tempo certo.

Retomando. O 5 a seco fez seu hiato logo após o lançamento de Pausa (2019), o álbum anterior. E essa interrupção teve que acontecer por uma questão prática: para além do trabalho coletivo, todos os integrantes sempre mantiveram suas carreiras individuais. E elas foram tomando espaço cada vez maior nas vidas de cada um. Leo Bianchini foi inventar nova vida em Portugal; Pedro Altério e Pedro Viáfora seguiram com seus projetos solo – incluindo aí o duo Pedros, que une ambos; Tó Brandileone se tornou um produtor requisitado em diversos gêneros; e Vinicius Calderoni tem se dedicado cada vez mais ao teatro, dirigindo e escrevendo espetáculos. Tornaram-se adultos, portanto. E bandas requerem a disponibilidade da pós-adolescência. A conta não estava fechando.

Para a reconfiguração atual, fizeram as devidas adaptações para que o 5 a seco voltasse a caber na vida adulta de todos. Isso significou fechar um período para a gravação do álbum e, logo em seguida, guardar mais alguns pares de meses para a turnê. Passado esse tempo pré-definido, todos voltam para as suas vidas e o 5 a seco entra em novo hiato. É talvez o melhor caminho para manter uma banda depois de chegada a vida adulta.

Originalmente, 5 a seco era o nome de um show criado em 2009 que reuniria cinco artistas emergentes da cena musical paulistana, cada um com sua carreira solo. Seriam apenas quatro apresentações na Sala Crisantempo, espaço alternativo na Vila Madalena. Mas o poder do encontro se impôs e, logo após a estreia, a demanda brotou, gerando mais e mais apresentações em quinteto. Acabaram se tornando eles mesmos o 5 a seco. E o grupo logo tomou maior proporção do que os trabalhos individuais. Ainda assim, os cinco integrantes não queriam admitir a ideia de banda. Chamavam-se de um “coletivo de compositores”, mas involuntariamente se tornaram uma coisa só. Que agora se recria.

Dos tempos da Sala Crisantempo, está de volta em Sentido o protagonismo do piano, elemento presente na origem do quinteto, antes de os violões dominarem a cena e o som. Outros instrumentos, como clarinete e bandolim, que também estão de volta agora, remetem àquele período inicial.

AS CANÇÕES DE SENTIDO

“Comédia de Enganos” (Vinicius Calderoni/ Alfredo Del Penho/ Beto Lemos) foi escrita originalmente para a trilha de “Museu Nacional [Todas as Vozes do Fogo]”, peça que Vinicius Calderoni escreveu e dirigiu em 2022 para o grupo carioca Barca dos Corações Partidos. Autor da letra, Vinicius convidou Alfredo e Beto para terminarem com ele melodia e harmonia. Seu potencial catártico, que já se demonstrava na reação do público durante as apresentações da Barca, se confirma agora na gravação do 5 a seco. É a única canção do álbum que junta as vozes de todos os integrantes do grupo. Muito mais do que isso: a última estrofe é cantada por Chico Buarque – o próprio – em participação especial.

Em reflexo imediato do amadurecimento dos compositores, o amor é tema tratado com a complexidade da vida adulta em “Plano A” (Tó Brandileone/ Celso Viáfora/ Vinicius Calderoni), mostrando-se em suas camadas menos românticas, mais profundas e por vezes bastante pontiagudas. “Inventar Sentidos” (Vinicius Calderoni) segue a mesma direção. Autor de ambas as letras, Vinicius separa duas coisas que sempre se confundem em música popular: essas são canções de amor e não canções de paixão, já que tratam do amor como construção diária, como subida e tombo, no tortuoso caminho percorrido a dois. Como o próprio título entrega, “Amor e Só” (Tó Brandileone/ Paulinho Novaes) é outra canção desse time, mas também retrata os relacionamentos sob viés menos idealizado e romântico. “Até mesmo o fim de um grande amor/ Pode ser um grande amor também.”

Ok, mas o amor-paixão, aquele que arde e que urge, tem seu valor e tem seu lugar na música, na alma dos meninos maduros e em Sentido. “Deixa Eu Gostar de Você” (Pedro Altério/ Celso Viáfora) e “Ela Apareceu” (Pedro Viáfora) são desse time e já nascem com cara de hits. Com sua levada lenineana, a primeira é – acredite – a única canção de Altério, ao menos até agora, escrita especialmente para o 5 a seco. Já a segunda foi feita pelo outro Pedro, o Viáfora, como uma declaração de amor à namorada. E tem elementos autobiográficos – cenas, costuras – ao mesmo tempo em que ressoa outras relações bem sucedidas que serviram como inspiração.

A melodia de “A Vida que Pode Ser” (Leo Bianchini/ Vinicius Calderoni) foi criada por Leo em 2020, ainda em meio à pandemia. Permaneceu guardada no gravadorzinho do celular do compositor até que, nos últimos momentos da produção de Sentido, ganhou uma letra de Vinicius. Ela narra cenas cotidianas de uma musa inspiradora, que se revela atraente nas pequenas coisas da vida. Uma pessoa comum, de postura otimista que, nas entrelinhas do enredo, revela uma felicidade alcançável, uma vida possível. Bem mais antiga, “A Vera” (Leo Bianchini/ Vinicius Calderoni) existe desde 2010 e já era cantada nos bastidores da gravação do primeiro álbum do 5 a seco, o Ao Vivo no Auditório do Ibirapuera (2011). A letra foi atualizada para se adequar aos nossos tempos, mas a atmosfera carioca, as passagens dramáticas e o senso de humor sofisticado seguem intactos na nova versão.   

Tudo é amor, mas algumas faixas de Sentidodesviam do tema tanto quanto possível. Com condução harmônica e rítmica que flerta com o funk carioca e com o maculelê, “Bagulho Doido” (Vinicius Calderoni) é a canção do álbum cujo violão está mais onipresente, no comando de tudo. O arranjo seco tem intromissões de sintetizadores de cordas e de um groove percussivo produzido por vários tipos diferentes de raspadas no instrumento. Segundo seu autor, ela tem parentesco temático e existencial com “Pequenas Alegrias” (Vinicius Calderoni), outra canção do novo álbum. Com intervenções de mellotron e guitarras soando como metais, a faixa encosta no grunge dos anos 90, como se a Seattle de então tivesse se deslocado para o bairro do Bixiga, onde o disco foi gravado. O violão também norteia “Céu de Dentro” (Leo Bianchini/ Pedro Altério/ Pedro Viáfora), outra composição surgida a partir do chamado geral para compor o novo álbum.

“Milagre” (Tó Brandileone/ Vinicius Calderoni) é canção confessional que trata da velha busca do artista pela beleza e pela transcendência nas coisas mais mundanas e corriqueiras. Ecoa, em música, letra e arranjo, a grandeza de compositores como Vitor Ramil.  “A Vida Vi” (Pedro Viáfora/ Celso Viáfora) foi escrita por pai e filho quando os Viáfora compareceram ao hospital para assistir ao primeiro ultrassom da irmã de Pedro. Ali, conheceram Davi, o bebê que chegaria meses depois, e decidiram fazer uma canção para ele. Em um esperto jogo de palavras, a letra faz soar seis vezes o nome do novo membro da família sem nunca dizê-lo exatamente. É a única faixa não inédita de Sentido.

Se Celso Viáfora está nos créditos de três composições do álbum, “Quero-Quero” (Leo Bianchini/ Leo Versolato) é outra faixa de Sentido que inclui um parceiro de fora do 5 a seco. Versolato criou a melodia, estruturada em escala pentatônica ascendente, o que traz a sensação de algo que se desenrola. Isso inspirou o primeiro verso (“Desenrolar o velho lero-lero”) e deu todo o caminho. Seu título, inspirado no pássaro, simboliza os desejos da personagem e traz uma história de “acasalamento” frustrado.

O álbum se encerra épico com “Sigamos” (Pedro Altério/ Pedro Viáfora), dando continuidade ao cortejo iniciado na primeira faixa de Sentido, mas também naquelas primeiras apresentações na Sala Crisantempo, há 15 anos. “Se enxergar mais velho/ Pensar que pode ser maior.” Acaba por ser um spoiler dos encontros futuros do 5 a seco, mas também uma referência ao atual momento de cada integrante, o amadurecimento e ao fato de que permanecem juntos, lutando por esse caminho em comum. Nas palavras dos próprios integrantes do coletivo, nunca essa reunião, e o sentimento de ser de um time, foi tão urgente, o que acaba fazendo de Sentido um elogio ao gesto coletivo e uma resposta ao espírito do tempo: responder a atomização e a excessiva individualização do mundo com o calor do encontro, como aprendido na canção d’ Os Saltimbancos: todos juntos somos fortes.

MARCUS PRETO
(novembro/ 2024)

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